Cristãos no Egito são cada vez mais vítimas de sequestros e extorsões por parte de fundamentalistas muçulmanos.

 

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Cristãos rezam na Basílica de Nossa Senhora de Fátima, no Cairo.

 A última coisa de que Mamdouh Farid se lembra é da parte de trás de um rifle acima de sua cabeça. Farid, um cristão do Egito, estava dirigindo para casa de volta do trabalho, numa clínica de saúde local, quando sete homens armados cercaram seu carro. Um dos mascarados o chamou de “filho de cão” e o golpeou na parte de trás da cabeça, levando-o a desmaiar.

Por seis dias, seus sequestradores o torturaram, mantendo-o vendado e amarrado numa casa abandonada. A gangue armada pediu US$ 290 mil por sua liberdade. Uma quantia impossível para a família do homem de 58 anos que sustenta nove parentes com US$ 200 por mês.

- Eles me golpeavam com suas armas enquanto estavam no telefone (com a minha família) de forma que ouviam meus gritos – lembra Farid. – Com a dor, eu não conseguia ficar quieto.

Levado no dia 7 de dezembro no vilarejo de Hassan Basha, em Minya, Farid é a apenas a última vítima de uma onda de sequestros que assola a minoria cristã no Egito desde a revolução de 2011. Somente em Minya, mais de cem pessoas já foram sequestradas, a grande maioria, cristã. Os sequestros são resultado de um vácuo na segurança deixado por anos de convulsão política. Com o estado fazendo muito pouco para preteger as minorias mais vulneráveis do país, a comunidade cristã está pagando o preço pela ausência de leis e ordem.

Houve um significativo aumento dos sequestros depois da deposição do presidente Mohamed Mursi. Pelo menos 20 pessoas foram sequestradas em meio à crise na segurança que se seguiu à sangrenta dispersão dos partidários de Mursi, em 14 de agosto, e que resultou na morte de centenas de muçulmanos.

Os sequestradores de Farid usaram táticas das mais brutais para extrair dinheiro de sua família. Eles o impediram de usar o banheiro, forçando-o a urinar sobre si mesmo. Como alimentação, ele recebia apenas um pequeno pedaço de pão por dia. E era espancado continuamente.

- Quando eu pedia algo para beber, me ofereciam um copo de urina – contou.

A mulher de Farid tem câncer de mama e sofre de diabetes. Ele sustenta ainda seis sobrinhas órfãs, bem como seus dois filhos. Sem dinheiro ou nada de valor para vender, sua família apelou a parentes, vizinhos e à igreja local para reunir algum dinheiro.

Os sequestradores finalmente se convenceram que a empobrecida família jamais poderia conseguir o extravagante montante inicialmente exigido e aceitaram como pagamento do resgate US$ 7,3 mil. Finalmente, Farid foi deixado num lixão a poucos quilômetros de seu vilarejo.

A comunidade cristã no país já pagou uma quantia estimada em US$ 750 mil em resgates, segundo as vítimas, que criaram uma rede de apoio e documentação para cada novo caso de sequestro. Os integrantes do grupo contam como toda a comunidade vive amedrontada.

- Não podemos sair na rua depois do anoitecer. Isso está afetando nossos rendimentos, somos forçados a trabalhar menos horas – afirmou Medhat Aata Markos, um funcionário cristão do escritório do Ministério da Saúde em Minya, que foi sequestrado em fevereiro. – Todos pensam que serão os próximos.

- Vivemos com medo, não temos apoio do governo, então temos que pagar para salvar nossos parentes – contou Markos, que é médico e gerencia uma clínica no vilarejo em que Farid foi sequestrado e cuja família pagou US$ 15 mil por sua libertação.

No Egito, os crimes contra a comunidade cristã ficam sem punição.Nada menos que 43 igrejas foram destruídas no país e mais de 200 propriedades de cristãos foram atacadas por islamistas desde agosto, de acordo com a Anistia Internacional. Alguns dos piores ataques aconteceram em Minya, e a polícia assistiu impassível à destruição de prédios.

- Todas as vítimas desta região eram cristãs – afirmou o padre Wissa Subhi, secretário da diocese de Minya. – Nenhum muçulmano precisa se sentir inseguro.

O mais jovem sequestrado na área do padre Subhi tinha apenas 8 anos de idade e foi levado no início de 2012. Os sequestradores pegaram o menino cristão na escola e atiraram nas pernas de seu pai, que se recusava a entregar o garoto. A família pagou um resgate de US$ 290 mil para ter a criança de volta.

A polícia garante que está investigando os crimes, mas três anos depois do primeiro sequestro ninguém ainda foi condenado. Enquanto isso, muitas vítimas relutam em acusar abertamente as forças políciais de inação por medo de complicar ainda mais a situação.

- Não há esforço do governo para deter isso – reclamou Markos. – Há suspeitas, inclusive, de que alguns sequestradores sejam policiais.

A comunidade cristã, no entanto, tem pouca esperança.

- Achamos que o número de sequestros vai aumentar e que eles vão se tornar cada vez mais violentos – afirmou Markos.

Esta, pelo menos, parece ser a tendência. No início de novembro, Gaber, um homem de cerca de 40 anos, foi morto a tiros ao resistir ao sequestro.

- Eles tentaram atirar em suas pernas para imobilizá-lo, mas o tiro pegou em suas costas e bexiga. Ele sangrou até a morte – contou Sedhom.

E, enquanto os sequestros continuam, é cada vez mais difícil para a comunidade cristã pagar a conta.

- Temo que, num determinado momento, as pessoas não poderão mais pedir dinheiro emprestado para pagar o resgate, já que todos terão sido sequestrados – afirmou Markos.

G1